Saiba quais são as causas e como prevenir a formação de tricobezoares em felinos.
O que são bolas de pelos?
O termo bezoar caracteriza o acúmulo de substâncias não digeridas que formam massas sólidas no trato gastrointestinal. Os bezoares são classificados segundo o material que os formam, por exemplo: os fitobezoares são formados de fibras vegetais, os lactobezoares por componentes do leite e os tricobezoares em decorrência do acúmulo de pelos, cabelos ou similares. Quando os tricobezoares ocorrem em felinos, eles são chamados popularmente de “bolas de pelos”.
Imagem 1. Bolas de pelos de grande, médio e pequeno tamanho, obtidas das fezes de gatos. Retirado de Loureiro (2014).
Como as bolas de pelos se formam?
As papilas da língua dos gatos estão direcionadas para a garganta do animal, sendo recobertas por queratina, que confere muita resistência a essas estruturas. Na natureza, essa conformação das papilas ajuda os felinos a extraírem o máximo de carne dos ossos de suas presas. Além do uso na alimentação, a modificação das papilas também está envolvida em lambeduras para higiene e socialização, comportamento chamado de grooming. Na infância, os filhotes recebem estímulos através da lambedura para urinarem e defecarem, além de também ser uma forma de afeto da mãe. Na fase adulta é comum ver animais realizarem grooming com outros animais ou mesmo com os tutores para demonstrar carinho.
A estrutura das papilas dos felinos faz com que a quantidade de pelos ingeridas durante o grooming seja ainda maior. Em condições normais esses pelos são naturalmente eliminados nas fezes ou por episódios de vômitos. Porém algumas condições podem levar ao comportamento excessivo de grooming e, consequentemente, à maior ingestão dos pelos. O excesso pode ocorrer em decorrência de problemas de saúde (ácaros, pulgas, entre outras), por questões de predisposição da raça (animais de pelo longo eliminam 2,5x mais pelos que animais de pelo curto (Weber, 2015)) ou por situações de estresse (mudanças de ambiente, inclusão de um novo membro da família, tempo ocioso etc.).
Quais os riscos que as bolas de pelos podem trazer?
Conforme já mencionado, na maioria das vezes os tricobezoares são eliminados por episódios de vômitos ou excretados junto às fezes. No entanto, em condições de ingestão exacerbada dos pelos, esses podem se conglomerar no trato gastrointestinal, causando problemas digestivos e até mesmo a necessidade de procedimento cirúrgico que, em casos de omissão, podem levar o animal a óbito. Os principais problemas seriam hérnias de hiato, inflamação da mucosa do cólon, obstrução do esôfago e intestino (Barrs, 1999; Cannon, 2013; Woerde, 2013; Do Nascimento, 2021). Os sinais clínicos de bola de pelos são o engasgo/tosse, vômitos e náuseas. Nos casos severos que causam obstrução, os sinais são dor abdominal e anorexia.
Como prevenir as bolas de pelos
1. Prevenções ambientais
Escovar os animais com frequência para eliminar os pelos soltos, principalmente em animais de pelo longo. Evitar situações de estresse e, quando inevitáveis, buscar orientações corretas para minimizar os impactos no animal. Promover enriquecimento ambiental, brincadeiras de interação com os tutores ou outros pets também são importantes para evitar que os animais desenvolvam o grooming excessivo quando ociosos. Confira mais dicas clicando aqui.
2. Prevenções nutricionais
A nutrição do animal é um fator que pode prevenir ou favorecer os tricobezoares. Dietas com baixos teores de fibras prejudicam o peristaltismo, empobrecem a diversidade da microbiota e favorecem a formação dos tricobezoares. As fibras insolúveis, de forma geral, aceleram o trânsito intestinal, enquanto as solúveis (em sua maioria) são fermentáveis e tornam o pH do intestino favorável à colonização de bactérias boas em detrimento das ruins, contribuindo com a saúde. Dessa forma, a ingestão de fibras tanto insolúveis quanto solúveis é essencial para a saúde do pet.
No caso das bolas de pelos, as fibras insolúveis são as de maior interesse, pois o estímulo do peristaltismo que acelera o trânsito intestinal é que faz com que os pelos soltos e pequenas bolas sejam eliminadas nas fezes com facilidade, antes que se tornem massas maiores que acarretam problemas de saúde. Loureiro (2014) e Miltenburg (2019) avaliaram em seus estudos a excreção das já formadas bolas de pelos nas fezes. O estudo de Loureiro (2014) verificou que a inclusão de fibra de cana na dieta reduziu a excreção das bolas de pelos nas fezes quando comparada à dieta controle, com menor teor de fibras. Miltenburg (2019) observou o mesmo efeito, porém trabalhando com uma dieta que combinou a fibra de cana com a enzima queratinase. Nesses dois estudos, os autores atribuíram o resultado à modificação do peristaltismo provocada pela fibra de cana, que fez com o que os pelos fossem eliminados ainda soltos. Já nos estudos de Weber (2015) e Donadelli (2020), a metodologia empregada foi de quantificação dos pelos soltos. Por esse motivo os resultados encontrados foram de aumento na eliminação dos pelos. Weber (2015) avaliou o efeito da inclusão de fibra de celulose combinada com psylium e observou aumento expressivo na excreção fecal de pelos em gatos de pelo longo, conforme aumento da fibra dietética. Nesse estudo, além da aceleração de tempo de trânsito provocada pela celulose, foi atribuído o efeito de “formação de gel” do psylium que parece ter agregado os pelos soltos, carregando-os junto às fezes pelo trato intestinal até sua eliminação. Utilizando fibra derivada de uma planta forrageira (Miscanthus grass), Donatelli (2020) também constatou maior excreção de pelos soltos/g de fezes na matéria seca quando comparado com a dieta controle. Em resumo, todos os estudos observaram que a ingestão de fibras insolúveis acelerou o trânsito intestinal e estimulou a evacuação dos pelos antes de se tornarem tricobezoares de importância.