Antes de introduzir seu pet a um ambiente novo, atente-se a alguns pontos importantes que serão cruciais ao seu desenvolvimento.

Assim como nós, os cães possuem fases de desenvolvimento físico e mental. Mas diferente do que pensamos, eles possuem valores e uma consciência única, o que pode dificultar o adestramento e a educação desse animal.

Logo que o filhote é desmamado tanto nutricionalmente quando afetivamente da mãe, mais precisamente entre a terceira e a décima semana de vida, já se inicia o processo de socialização.

Este período é onde o cão começa a entender o meio em que está inserido e ter convívio social através de brincadeiras com outros seres vivos. Estudos comprovaram que filhotes privados de contato nesse intervalo acabam adquirindo um “bloqueio mental”, tornando muitas vezes inviável a relação com outros indivíduos. Para desenvolver essa relação é importante que o filhote interaja não apenas com a mãe, mas com outros filhotes e seres vivos durante essa fase. Após o período da fase de socialização primária vem o período juvenil, que é entre a 12ª semana até o amadurecimento sexual. Todas as lições do período anterior precisam ser reforçadas, pois como nós, eles possuem uma janela que precisa ser aproveitada ao máximo, ou ficarão socialmente deficientes.

Alguns cães acabam apresentando repulsa a humanos durante essa fase, justamente por não terem convivido durante a socialização primária. É importante que a inserção a estímulos externos, coisas, barulhos, cães, gatos, entre outras coisas seja feita nesse período para que posteriormente não exista nenhum gatilho que ative características comportamentais indesejadas, tornando assim o período de aprendizado básico completo, mas insuficiente comparado ao que precisa ser aprendido.

Um exemplo disso são os cães que em casa são sociáveis, mas ao ter contato com outra pessoa ou cão ficam tímidos, demonstrando sinais de medo ou até agressividade. Alguns cães também se tornam reativos a estímulos externos, como o barulho de um caminhão ou moto. Esses conjuntos de sinais se apresentam em animais com privação de espaço, ou que vivem ou viveram em ambientes monótonos. A consequência disso são animais que perdem o propósito de explorar ambientes novos. Pode parecer óbvio, mas é aí onde mais pecamos.

Essa é a fase em que se busca manter o animal em casa devido ao período de vacinação ainda não estar completo, mas também é o momento em que é preciso expor o animal a estímulos para que não ocorram reações inapropriadas.

Muitos proprietários enfrentam situações desse tipo diariamente, principalmente na hora de levar o cão à clínica veterinária. Será que o problema é o médico-veterinário? A questão aqui é o período de aprendizado estável, onde ao passar por uma situação traumática (no ponto de vista do filhote), ele associa que aquela será sempre uma experiência ruim, seja uma vacinação dolorosa, o reflexo do cão ao subir na mesa de procedimento ou qualquer outra situação.

Já aos 2 anos, onde são considerados na fase adulta e completamente sociáveis, precisamos nos atentar ao processo todo, para que não fique nenhuma sequela indesejável pelo resto da vida desse animal. Cães também socializam, crescem e aprendem observando outros cães. Como a maioria da população possui apenas um cão, existem alguns ambientes adequados para facilitar e estimular sua necessidade de matilha e a habituação a locais e estímulos novos. Parques e praças pet friendly são as escolhas de algumas famílias aos finais de semana, sendo um programa novo e divertido, que também agrega melhor convívio social com seu cão.

Precisamos entender que existem características comportamentais dependentes de como o animal foi socializado. A maior parte do comportamento dos cães é construída ainda quando filhotes, ou seja, qualquer momento bom ou ruim será lembrado futuramente, e quanto maior o número de experiências boas, maior será a facilidade de se tornar um adulto equilibrado.

 

Dentre essas características comportamentais, algumas não são detectadas tão facilmente, mas outras sim. Por exemplo: 

Medo

O medo é uma característica comportamental notada em animais que passaram por um período, processo ou situação traumática. Cães possuem linguagem corporal diferente, e às vezes a interpretação pode ser falha devido ao cruzamento intenso entre as raças, dificultando a identificação de gatilhos de estresse. Dessa forma, brincadeiras de pega-pega podem rapidamente se tornar combates agressivos.

Dominância e submissão

Dominância e submissão são essenciais para manter a harmonia do local. Essa relação se determina por vários fatores, principalmente raça, peso, sexo, entre outros. Cães dominantes possuem uma postura diferente, onde naturalmente se emprega o respeito entre eles. Muitas vezes a submissão está ligada diretamente ao medo, não pela atitude, mas pela postura que o cão toma, assim como a agressividade, que engloba uma grande variedade de situações, desde reflexos sutis até um ataque.

Sociabilidade

Assim como nós, os cães também necessitam de ambientes e convívios agradáveis. A palavra remete ao termo sociedade, lembrando a importância de garantir que o animal socialize com outros indivíduos e espécies.

Dessensibilização e habituação

Esse processo é subsequente à socialização, e engloba a inserção do animal a todos os ambientes, texturas e situações com que ele viverá pelo resto da vida. Por exemplo, ambientes escuros ou uma reunião com muitas pessoas, onde é muito importante que ele tenha passado pelo processo de socialização pela reação (positiva ou negativa) à situação, o chão seco ou molhado e até mesmo a casinha ou local de residência.

Estar em um ambiente harmonioso, equilibrado e tranquilo fornece ao animal o máximo de bem-estar que possa existir. Sentir prazer em estar ao lado de alguém sem precisar de um propósito ou ganho material é o lema dos cães.

Ao pensar em adquirir um filhote é importante analisar todos esses pontos. Educar não é um processo fácil, requer muito treino e principalmente paciência. Tudo se torna novidade e tudo que é novo assusta, por isso precisamos manter o ambiente mais harmonioso possível para que não existam problemas futuros em relação aos animais e humanos. Ao primeiro sinal de alerta, procure alguém capacitado para orientá-lo da melhor forma.

Como já diria Machado de Assis: “Felizes os cães, que pelo faro descobrem os amigos.”

Co-autor: Felipe Kanitz Braga.

 

Referências

Serra, Cláudia Martins. "Classe de socialização para filhotes de cão doméstico" (2005).

Alcântara, Maria Eduarda. "Comportamento e comunicação entre cães domésticos durante atividades de socialização em um parque urbano: existe variação sexual e/ou racial?" (2018).

ROSENFIELD, Milena Fermina; FLORES, Renato Zamora. Efeito da socialização na compreensão de sinais humanos em cães (Canis lupus familiaris). Revista Brasileira de Zoociências, v. 13, n. 1, 2, 3, 2011.

SOARES, Guilherme Marques et al. Epidemiologia de problemas comportamentais em cães no Brasil: inquérito entre médicos veterinários de pequenos animais. Ciência Rural, v. 40, n. 4, p. 873-879, 2010.